quinta-feira, maio 19, 2005

"CASO PORTUCALE"


ABATE DE SOBREIROS NO ALENTEJO
DESENCADEIA INVESTIGAÇÃO A TRÁFICO DE INFLUÊNCIAS

Os sobreiros da Herdade da Vargem Fresca começaram a ser abatidos. A situação despertou o interesse nacional e duma suspeita de tráfico de influências saltou-se da opinião pública para uma mega investigação à corrupção, da qual parecem ter despontado algumas ilicitudes.

O caso arrasta-se há mais de dez anos. A Portucale – Sociedade de Desenvolvimento Agro-Turístico, propriedade da Espírito Santo Resources, sub-holding do Grupo Espírito Santo, procura desde 1991 construir na Herdade da Vargem Fresca, em Benavente, no Alentejo, um empreendimento turístico. Os terrenos eram públicos e foram adquiridos pela própria Portucale à Companhia das Lezírias que no início do processo aparecia como accionista da Portucale. Em 1993, os terrenos foram para a posse exclusiva de privados, cujos contornos foram depois averiguados pela Inspecção-Geral de Finanças, que considerou a alienação desfavorável para os interesses e património da Companhia das Lezírias que passou a não ter qualquer controle. Refira-se que a Companhia das Lezírias é a maior empresa agrícola do País, uma das maiores da Europa, e que dá lucro desde 1996. Foi nacionalizada em 1975, e os seus 22 mil hectares de terreno – 12 mil dos quais, integrados na Rede Natura 2000 – sempre foram alvo de cobiça.

Para implantar o empreendimento turístico, que incluía mais de 200 lotes para moradias, dois hotéis, dois campos de golfe, um centro hípico, uma barragem e um campo de tiro num terreno com cerca de 510 hectares, era preciso cortar uma quantidade significativa de sobreiros. Sendo o sobreiro uma árvore protegida por lei (decreto-lei 169/2000), só podia ser abatida em circunstâncias excepcionais de interesse público, como a construção de estradas, barragens, escolas, hospitais, razões fitossanitárias, melhoria dos povoamentos ou com fins exclusivamente agrícolas. O corte ou arranque de sobreiros, tanto em povoamento como isolados, tem de ser alvo de autorização das entidades governamentais responsáveis pela gestão das florestas e do ambiente e depende da apresentação de uma declaração de imprescindível utilidade pública ou de relevante e sustentável interesse para a economia local.
O empreendimento foi iniciado, mas esbarrou na falta de autorização para o corte das árvores. Em 1994, a Portucale pediu autorização para o abate de 4 000 sobreiros na Herdade da Vargem Fresca, para instalar dois campos de golfe. O pedido foi indeferido pelo então Instituto Florestal, mas viabilizado pelo ministro da Agricultura Duarte Silva, ao abrigo de uma alteração legislativa feita nos derradeiros dias do governo de Cavaco Silva, que deu luz verde ao abate. Poucos meses depois, com o XV Governo Constitucional (Socialista) já empossado, alegando falta de fundamentação e deficiências processuais, quer a autorização para o corte, quer a declaração de utilidade pública do empreendimento foram revogadas pelo novo titular da pasta da Agricultura, Gomes da Silva, quando uma parte dos sobreiros já havia sido cortada. Para que o abate fosse autorizado, seria necessário declarar a "imprescindível utilidade pública" do empreendimento. Foi o que alegadamente aconteceu no dia 16 de Fevereiro deste ano, nos últimos dias do XVI Governo Constitucional (Social Democrata) – a quatro dias das eleições – beneficiando a pretensão da empresa Portucale pertencente à Espírito Santo Resources, sub-holding do Grupo Espírito Santo (GES). Os ministros Costa Neves, do PSD, Telmo Correia e Luís Nobre Guedes, do CDS-PP) através de um despacho normativo deram luz verde para a autorização do abate de 2605 sobreiros. O abate iniciou-se imediatamente, e no dia 11 de Março, a Quercus interpôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria uma providência cautelar com carácter de urgência para suspender a sua eficácia, tendo o tribunal no dia seguinte, ordenado a suspensão do abate. Nessa altura já cerca de 900 sobreiros tinham sido abatidos, (774 árvores adultas e 180 jovens). No dia 23 de Março, o ministro da Agricultura, Jaime Silva, emite um despacho onde proíbe mesmo o corte de sobreiros na Herdade da Vargem Fresca, justificando a proibição como sendo uma "garantia à protecção das formações florestais de especial importância ecológica, nomeadamente os montados de sobro", ordenando ainda à Direcção-Geral dos Recursos Florestais o imediato levantamento dos cortes já efectuados naquela Herdade. Após o levantamento, em 28 de Março, um despacho conjunto dos ministros do Ambiente, Francisco Nunes Correia, da Economia, Manuel Pinho, e da Agricultura, Jaime Silva, – do actual Governo – emitem um despacho conjunto que revoga – decisão do anterior Governo de maioria PSD/CDS-PP – a autorização de abate de sobreiros na Herdade da Vargem Fresca, por esta não fundamentar devidamente o imprescindível interesse público do empreendimento e pela ausência da declaração de impacte ambiental necessária para o projecto em causa.

Após toda a controvérsia, o caso despertou o interesse nacional e das autoridades de investigação em geral, que já apuraram e indiciaram alguns decisores e intervenientes no processo como suspeitos de tráfico de influências. Nobre Guedes e três elementos ligados ao Grupo Espírito Santo foram constituídos arguidos por indícios de tráfico de influências, tal como Abel Pinheiro, tesoureiro do CDS-PP durante os sete anos de presidência de Paulo Portas. A operação envolveu buscas aos escritórios de Nobre Guedes, Abel Pinheiro e em três locais em instalações do Grupo Espírito Santo (Avenida da Liberdade, Rua Vale do Pereiro e na zona das Amoreiras), cujos administradores (Luís Horta e Costa, Carlos Calvário e José Manuel Sousa) são os respectivos arguidos do Grupo Espírito Santo. As diligências envolveram também a apreensão de documentação bancária. A polícia encontrou ainda nas instalações da ESCOM – Empresa do Grupo Espírito Santo – uma minuta do despacho assinado por Telmo Correia, Nobre Guedes e Costa Neves, que viabilizou o abate dos sobreiros com vista à construção do já referido empreendimento turístico em Benavente. Abel Pinheiro foi o único arguido detido na acção desencadeada no início da semana passada pelo Departamento Central de Investigação e de Acção Penal, com a colaboração da Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira (DCICCEF) da Polícia Judiciária, formadas por 5 juízes e 5 procuradores. Interrogado durante mais de sete horas, no Tribunal Central de Instrução Criminal da Boa-Hora, saiu em liberdade mediante o pagamento de uma caução no valor de cento e cinquenta mil euros.

A importância desta descoberta para o caso Portucale pode ser muito grande. Segundo se consta, o aparecimento da minuta vai aumentar as suspeitas de que a decisão dos três ex-ministros terá sido negociada fora do Ministério do Ambiente, alegadamente por Abel Pinheiro e que as alegadas práticas de tráfico de influências na aprovação do empreendimento poderão estar relacionadas com o financiamento da campanha eleitoral do CDS, na altura dirigido por Paulo Portas, então líder do CDS/PP. Segundo a imprensa, o despacho que viabilizou o abate foi assinado já depois das eleições de 20 de Fevereiro, em que os partidos da coligação governamental foram derrotados, e não antes, como consta da data oficial (16 de Fevereiro). Há ainda relatos que Luís Nobre Guedes, então ministro do Ambiente do governo de gestão, foi o primeiro a assinar, mas só na semana a seguir às legislativas apelou a Costa Neves, ministro da Agricultura, e a Telmo Correia, ministro do Turismo, para subscreverem com urgência o documento. A contradição das datas foi um alerta e uma das razões que levaram o actual ministro da Agricultura, Jaime Silva, a revogar o despacho.

Estes dados foram detectados também pela Polícia Judiciária através das escutas telefónicas iniciadas em Fevereiro. Por isso, Telmo Correia e Costa Neves não foram constituídos arguidos e serão chamados como testemunhas. No âmbito do inquérito-crime que investiga as ligações entre o CDS e o Grupo Espírito Santo, a Polícia Judiciária registou mais de cinco mil telefonemas do empresário Abel Pinheiro, ex-responsável das finanças do CDS. Entre os interlocutores estão vários ministros de ambos os partidos do anterior Governo, como Bagão Félix e António Mexia, sendo um dos pontos mais polémicos desta investigação o empréstimo de um milhão de euros contraído pelo CDS junto do Banco Espírito Santo, para financiar a última campanha eleitoral.
A Espírito Santo Resources, sub-holding do Grupo Espírito Santo proprietária da Portucale, nega qualquer envolvimento no alegado caso de tráfego de influências relacionado com a autorização dado à Portucale para a construção do empreendimento turístico em Benavente, e acrescenta que tem regido as suas actividades no sector do turismo pelo estrito respeito pelas regras de preservação da natureza e do ambiente e que a proposta de reafectação do terreno está de acordo com a actual política nacional e comunitária de diversificação do desenvolvimento rural e promoção do turismo de interior.

O Trafico de Influências constitui uma ameaça para o Estado de direito, à democracia e aos direitos do homem, mina os princípios de boa administração, de equidade e de justiça social, falseia a concorrência, entrava o desenvolvimento económico e faz perigar à estabilidade das instituições democráticas e os fundamentos morais da sociedade.

As investigações e os factos até agora confirmados levam a constatar que o acto normativo praticado pelos três ministros do Governo não foi um acto livre, foi um acto elaborado, feito com negociações prévias com os interessados. Sendo que, não explicando a sua urgência – a quatro dias das eleições para novo Governo – o despacho é ilegal. As hipóteses deste caso configurar outros crimes são elevadas, como o de corrupção, se se vier a demonstrar que houve vantagem patrimonial para os envolvidos. Em termos jurídicos, o tráfico de influências não se aplica aos influenciados que, eventualmente, poderão ser responsabilizados por outros crimes.

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